Resolvi inaugurar uma nova seção aqui na Casa. Minha idéia é fazer pequenas entrevistas com gente interessante ligada à design, arte, casa ou decoração.
A estréia será em grande estilo, com Adriana Yazbek.
CV: Encontrei sua casa publicada na revista Bons Fluídos e vi que além de trabalhar com a mistura de cores intensas nas suas peças vc tb as usa em casa. Como percebo que parte das pessoas tem receio em usar e abusar das cores, minha pergunta é: Como trabalhar com diversas tonalidades juntas sem causar estranheza ao olhar? E qual a influência que elas exercem no seu dia-a-dia?
AY: Vou começar pelo fim: a influência mais evidente no meu dia-a-dia é a alegria. As cores deixam tudo mais leve e feliz, mesmo nos dias cinzentos - aliás, podem ser um ótimo antídoto contra eles... Porém, para utilizar tantas cores é necessário que os ambientes sejam luminosos, caso contrário elas podem surtir o efeito inverso e acabar pesando.
Sou arquiteta, estudei psicologia por três anos, fiz o curso de cenografia com o Serroni, no CPT, estudei anos com o Dalton de Luca, depois com o Silvio Dworecki, mas sempre fugi das teorias de cor. Sempre preferi deixar que meus olhos conduzissem as escolhas. Iniciei minha carreira como pintora de tecidos quando ainda era estudante. E acho que continuo criando como se estivesse pintando, imaginando os objetos e superfícies como partes de uma composição.
Quando crio um produto ou faço um projeto arquitetônico as cores são fundamentais, elas são parte da própria concepção do projeto. Existem várias maneiras de abordar as cores, como por exemplo, através da criação de contrastes, ou da utilização de tons parecidos. Porém, sinto que ainda não respondi sua pergunta... De fato, não há fórmulas para que elas não causem estranheza. Não é qualquer contraste que parece harmonioso! Muitos podem ser até agressivos e causar a sensação de que algo está "fora d o lugar". Neste sentido, acho que meus anos de pintora me ajudaram muito na experimentação de cores, etc. É óbvio que quando se trata de um ambiente, a escala é completamente diferente e entram outras variáveis que não se apresentam na pintura - a mais importante delas é a iluminação natural.
CV: Hoje, todos conhecem o trabalho da Oficina Boracea, mas gostaria de saber um pouco do começo, como foi reconhecer o potencial daqueles artesãos, o proceso de desenvolvimento dos produtos e qual a maior contribuição que o design leva a essas comunidades?
AY: O Boracea é um albergue de moradores de rua da cidade de São Paulo. Fui convidada em 2004, pela então Secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, Aldaíza Sposati, para promover melhorias dentro do espaço do albergue através de uma intervenção arquitetônica/cenográfica. O objetivo era justamente trazer um pouco de alegria e aconchego ao espaço. Como o Boracea era um albergue que, na sua concepção original, estava destinado a abrigar catadores, tendo em suas instalações estacionamento de carroças, canis e uma central de reciclagem - a abordagem de toda esta intervenção se deu através do reaproveitamento de materiais.
Em 2005, com a mudança de governo o foco passou a ser geração de renda, o que já era um dos objetivos iniciais do projeto, porém , estava destinado à uma etapa posterior. Neste momento fiquei trabalhando sozinha, minha equipe de 12 pessoas foi mandada embora, e eu tive que continuar o trabalho sem muito suporte. Como ficamos sem recursos (humanos e financeiros) o trabalho precisou se ajustar à realidade. Havia alguns moradores e usuários do albergue que participavam da oficina e eu não queria desmotivá-los. Havia um ateliê em que este trabalho era realizado e ao lado um grande galpão em que várias pessoas ficavam desenvolvendo outras atividades artesanais, sociais, etc.
O trabalho com o jornal foi sendo introduzido gradualmente como uma troca de saberes. Convidava as pessoas que sabiam a técnica a trabalhar no ateliê e compartilhar seus conhecimentos. Em contrapartida, incentivava experimentações com o material - tais como utilização de cores, confecção de canudos dos mais variados tamanhos e espessuras, experimentação de formas, etc. O trabalho com o jornal é uma técnica de domínio público bem conhecida. Porém é sempre feito da mesma forma. Cestos, que tentam imitar vime e que são posteriormente envernizados, camuflando a natureza da matéria prima. Desta forma, toda a investigação com o material se deu no sentido oposto ao uso tradicional da técnica.
Os participantes da oficina eram muito flutuantes e pouco assíduos, uma vez que para esta população, a questão da sobrevivência se impõe de maneira radical. Após dez meses de experimentações em que o potencial criativo do material ficou evidente, pedi o apoio do novo secretário Floriano Pesaro, através de uma bolsa que pudesse remunerar os participantes. A partir deste momento o trabalho tomou um novo impulso. No final deste mesmo ano realizamos um bazar de Natal que foi um sucesso. A Elaine Landulfo, que é minha amiga e organizadora da Craft Design foi ao bazar e viu o grande potencial do projeto. Assim, Elaine e Daniela (Daniela Cechini) nos convidaram a participar da Craft Design de março de 2006. A partir dai o projeto ficou sólido. Trabalhei no grupo até o fim de 2007 quando eles se emanciparam transformando-se em ONG.
O Boracea não é exatamente uma comunidade e me parece um caso bem específico. Explico: numa comunidade muitas vezes já existe um grupo, um vínculo, um objetivo comum, e, geralmente, as pessoas não estão em condições tão marginais de vida. Muitas vezes também, já há um trabalho artesanal que é desenvolvido pelo grupo, mas que não cumpre as expectativas no sentido de gerar renda. Neste sentido, o trabalho do designer, só tem a acrescentar - desde que as particularidades desta comunidade sejam devidamente respeitadas. O designer tem que ter humildade, saber ouvir e ver. Interagir de verdade com as pessoas, de igual par igual, sem pedestal. Porém este trabalho não pode acontecer de maneira isolada. É preciso uma equipe multidisciplinar e uma atuação a longo prazo, uma vez que em projetos de geração de renda não se trata apenas de criar produtos bacanas para serem comercializados. É preciso desenvolver aspectos que garantam a solidez do trabalho - desenvolver competências administrativas e mercadológicas, por exemplo. Mas talvez o principal seja o fortalecimento de características humanas fundamentais, tais como a auto-estima e a solidariedade, que são duas bases muito importantes para o êxito do trabalho, pois a primeira tem a ver com reconhecer o próprio valor e poder se afirmar e a segunda com a capacidade de compartilhar os frutos gerados. É muito comum as pessoas ficarem egoístas e egocentricas quando aparecem o sucesso e o dinheiro... Muitos trabalhos bacanas se desestabilizam justamente quando começam a "funcionar".
No caso do Boarcea esta comunidade não existia, o grupo foi se formando ao longo do trabalho. Mas podemos considerar como tal, dentro do contexto da pergunta, com a diferença de que talvez as questões psicológicas e emocionais neste trabalho tenham sido mais intensas do que numa comunidade de pessoas mais inseridas socialmente.
Albergue antes:
Albergue depois:
CV: Seu trabalho chama a atenção por ser único e desenvolvido com conceitos ecologicamente corretos e sustentáveis. Você sente uma preocupação real do mercado em relação a essa forma de trabalho ou é ainda um conceito que não está enraizado na nossa cultura?
AY: Acho que o mercado está cada vez mais consciente, mas não vejo isto completamente incorporado na nossa cultura não!
Muitas vezes o próprio ato de ser mais criterioso com aquilo que se consome, pode justificar por si só o consumo, legitimando o mesmo. Desta forma, não mudamos o habito de consumir vorazmente, apenas passamos a consumir aquilo que está "absolvido". O que mais precisa ser mudado é a atitude, o modo de se posicionar no mundo! E a questão mais radical que se impõe é justamente consumir menos....
Contato:
adrianayazbek@uol.com.br
(11) 3675-8833
Wow, those colorful rooms are gorgeous! Love them.
ResponderExcluirAdorei a idéia, não tive tempo de ler tudo agora, mas volto pra ler.
ResponderExcluirPor enquanto, adorei as fotos.
;)
Adorei a entrevista e o trabalho desenvolvido por ela no albergue.
ResponderExcluirTudo de bom.
bjs
Celita
Que bacana esse blog, sabe que nunca deixei algum coment mas sou leitora assidua ja algum tempo, egoismo da nossa parte a gente fica horas vendo as coisas lindas que vc posta e depois fica com preguiça de comentar.Hoje pensei diferente e aqui estou.
ResponderExcluirParabens!!
Maravilhoso esse trabalho, acredito que o acaso não existe, houve a necessidade de todo o processo de dificuldade s/ material humano, e s/ verbas, para que os moradores de rua fossem aproveitados, motivados a desenvolver esssa maravilha de trabalho em conjunto com pessoas de boa vontade e profissionais tão eficientes e criativos, amei...
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